Por Adriana Dias | 25 de junho de 2024

Em risco imediato de ações penais contra os profissionais médicos veterinários prescritores da substância, ação popular tem por objetivo sanear a omissão regulatória da Anvisa para Cannabis na Medicina Veterinária, em todo o Brasil. Valor da causa é estimado em R$ 2 milhões, considerando os prejuízos aos animais, à economia, aos proprietários/responsáveis de animais e, principalmente, aos profissionais da classe médica-veterinária.

A 17a. Vara Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF) recebeu a Ação Popular, movida pelo advogado e médico veterinário Rodrigo Montezuma em que questiona a omissão na competência da ANVISA (Agência Nacional da Vigilância Sanitária) para a concessão de licenças para utilização de produtos à base de Cannabis, com fins de uso na Medicina Veterinária. O autor da ação foi diretor jurídico e assessor técnico-jurídico do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e dialoga há anos com o órgão regulador e MAPA sobre os riscos da omissão regulatória aos profissionais da classe.

Conhecido técnico no cenário da Cannabis Medicinal Veterinária nacional por palestrar em defesa de regulamentação clara para os médicos-veterinários, Montezuma há anos indica, publicamente, que por haver risco imediato de ações penais contra os profissionais médicos-veterinários moveu a ação popular, tendo por objetivo sanear a omissão regulatória da Anvisa para Cannabis na Medicina Veterinária em todo o Brasil.

Atualmente, o Brasil conta com 170 mil veterinários, aproximadamente, sendo que em todos os Estados da Federação existem profissionais prescrevendo Cannabis Medicinal para animais de diversos portes. Seja para tratamentos de doenças tal qual se observa em humanos, quanto para redução de sofrimento, em casos crônicos ou terminais, promovendo bem-estar aos animais, o núcleo do tipo penal na lei de drogas é prescrever.

«Todos que prescrevem atualmente correm risco da incidência penal ainda que em atipicidade de conduta, pois não destinado nem ao tráfico, nem ao consumo pessoal, com isso a depender da quantidade o proprietário ou responsável pelo animal também corre risco no porte», declarou durante o evento realizado pela ABICANN, ocorrido em outubro de 2023, em São Paulo.

O que a ação popular significa para a ANVISA, em termos de continuar a omitir-se? Na prática, a medida visa forçar a necessidade de regulamentação por parte da agência regulatória, criadora da RDC 327/19, destinada apenas a prescrição por médicos para humanos, se busca judicialmente suprir a omissão regulatória, que deveria ser de sua responsabilidade implementar e fiscalizar produtos de cannabis para uso médico irrestrito,, sendo os produtos de uso veterinários registrados no MAPA, com a ressalva que médicos-veterinários não se limitam a produtos e substâncias de uso exclusivamente veterinário, podendo também utilizar produtos legalmente comercializados no país para humanos, desde que ponderado tecnicamente a dose adequada à espécie.

O Sistema CFMV/CRMVs terá papel posterior, caso necessária a prescrição específica, se a norma emanada pela vigilância sanitária não dispuser especificamente sobre o receituário.

De acordo com a petição inicial impetrada na justiça, «Em face de ato comissivo e omissivo praticado pela Diretoria Colegiada – DICOL da AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA, Autarquia Federal de Regime Especial, criada pela Lei nº 9.782/1999, dotada de personalidade jurídica de direito público, pois as deliberações ocorridas relativas a produtos de Cannabis no Brasil, desconsideram totalmente a prescrição e utilização da substância para uso Médico Veterinário, submetendo a população humana a experimentação farmacológica pela RDC nº 327/2019, que dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências, atualmente em revisão, que fere o princípio da legalidade, da impessoalidade e da moralidade pública, bem como evidente risco à saúde pública uma vez que pelos benefícios da terapia haverá busca à substância para os animais, o que desvirtua inclusive a base de dados e monitoramento da ANVISA, e do terceiro interessado o MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA – MAPA».

«E em seu conteúdo, ao invés de tratar somente da substância, direcionou e acabou por limitar a prescrição para uma só categoria médica, a humana, logo em seu primeiro artigo, em total detrimento aos animais e seus proprietários e responsáveis, desconsiderando as possibilidades terapêuticas que a ANVISA já possibilita aos médicos-veterinários utilizarem substâncias constantes na Portaria nº 344/1998, muitas inclusive com maior poder que a Cannabis.»

O autor da ação popular alega que tal situação, especificamente descrita no Art. 13 da Reunião de Diretoria Colegiada – RDC nº 327/2019, extrapola competência da ANVISA ao direcionar a prescrição da substância farmacológica exclusivamente para os inscritos no Conselho Regional de Medicina (CRM), possibilitando inicialmente que apenas médicos pudessem prescrever e utilizar o produto de Cannabis para seus pacientes humanos, atualmente ampliada para odontólogos e, até este momento, sem possibilidade regulamentar de uso na Medicina Veterinária, mesmo com evidências de benefícios terapêuticos aos animais.

«Não há qualquer dúvida que para a utilização da substância Cannabis sativa para qualquer fim o primeiro passo deverá ser da ANVISA que detêm o controle e monitoramento de produtos controlados no Brasil, e somente depois disso que o MAPA poderá receber, analisar e permitir o registro de produtos de cannabis medicinal ou nutracêutico exclusivamente de uso veterinário», informa na petição inicial.

Privilégio da categoria médica e insensibilidade com animais

No documento, o autor da ação indica que a ANVISA, por sua diretoria, exasperou sua competência normativa «para privilegiar uma categoria profissional, esquecendo que os veterinários também são médicos, e que na portaria nº 344/1998, já constam como profissionais habilitados por seus conselhos profissionais para utilização e prescrição das substâncias ali existentes, muitas inclusive com efeitos psicotrópicos mais potentes que a Cannabis, e outros tantos com muito mais lesividade se utilizados inadequadamente, e remetendo com a norma os pacientes veterinários, animais não humanos, a exclusão da possibilidade terapêutica com produtos de cannabis, apesar dos benefícios a saúde, bem-estar e qualidade de vida, tal qual ocorre com humanos demonstra insensibilidade para com as patologias que afligem aos animais, total crueldade.»

Veterinários em risco de processos criminais

Em 2021, o CFMV alertou os médicos-veterinários sobre as implicações da prescrição do produto de Cannabis, pois na literalidade da Lei nº 11.343/2006, o tráfico do art. 33 e a prescrição indevida ou sem regulamentação do art. 38, possuem como conduta vedada dentre tantos outros núcleos do tipo penal a prescrição sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, atualmente inexistente para a categoria profissional. Montezuma informa ainda que «apesar do risco de ações penais em insurgência civil e possibilidade plena de uma ação penal com duras penas, a categoria profissional tem se arriscado prescrevendo e utilizando produtos de cannabis ante aos benefícios claramente demonstrados em pesquisas e casos clínicos que evidenciam os benefícios da substância para os animais, conferindo-lhes bem-estar em patologias neurodegenerativas, comportamentais, nutricionais, além de restabelecer a saúde e qualidade de vida em pacientes terminais, tal qual ocorre em humanos.»

Grupos de Trabalho propuseram prescrição veterinária

O CFMV criou o Grupo de Trabalho para o suporte técnico na proposta de regulação de substâncias canabinoides para uso terapêutico na medicina veterinária e acompanha tratativas MAPA/ANVISA, recentemente recriado, pela portaria CFMV nº 76/2024, «mas apesar de várias reuniões, só obteve propostas evasivas e protelatórias nos últimos 2 anos», informa.

Jogo de competências

Por certo que a regulamentação de produtos de uso exclusivamente veterinário não é de competência da ANVISA, uma vez que o Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA) é quem detém esse papel, no entanto, o MAPA não consegue superar a restrição administrativa da ANVISA, seja na RDC nº327/2019, seja nas atualizações da Portaria nº 344/98. «Uma vez que estranhamente delimitou o uso médico apenas para humanos, em clara omissão regulatória para os pacientes animais não humanos, carentes da substância, cuja ação popular alcança guarida na doutrina e jurisprudência deste mesmo TRF1, pois o judiciário poderá exigir quem detêm a obrigação legal de proferir o ato administrativo à retomada do bem público que se persegue, que no caso seria a prerrogativa profissional da prescrição médico-veterinária também com produtos de cannabis aos seus pacientes animais não humanos.»

O MAPA somente poderá atuar em suas competências na regulamentação dos produtos de cannabis exclusivamente para uso veterinário após necessária regulamentação pela ANVISA ou determinação judicial para quem detém a obrigação legal de proferir o ato administrativo à retomada do bem público que se persegue, possibilitando o uso da substância pela categoria profissional médica-veterinária, em uso médico e nutracêutico aos animais, por prescrição.

Assim, normativamente em suas competências institucionais, somente com a possibilidade de prescrição médica lato sensu determinada pela ANVISA ou determinada judicialmente, a categoria de médicos-veterinários poderá prescrever medicamentos a base de produtos de Cannabis com a segurança jurídica inerente a excludente de ilicitude da parte final do art. 23 do Código Penal, que versa sobre o exercício regular de direito, qual seja, do exercício profissional da Medicina Veterinária, que está sendo violada em suas prerrogativas de competência privativa e o próprio código de ética, nos art. 4º e art. 7º, inciso IV, que preveem respectivamente, no exercício profissional usar procedimentos humanitários preservando o bem-estar animal evitando o sofrimento e dor, e a prescrição que entenda mais indicada ao seu paciente.

Cabe aqui lembrar que os médicos-veterinários podem prescrever produtos farmacológicos destinados exclusivamente de uso veterinário, mas também podem se valer da farmacopeia humana, no intuito de salvaguardar seus pacientes animais, com as devidas ressalvas e cálculos estequiométricos para cada espécie animal, tudo tecnicamente recomendado e sob responsabilidade técnica do prescritor.

No resumo dos fatos da ação popular, o autor esclarece que: «essa normatização de produtos de Cannabis para humanos, além de colocar essa espécie em verdadeira experimentação farmacológica antes dos animais, deixa de fora todos os animais que poderiam se beneficiar da substância medicinal, com o alívio do estresse, ansiedade, alívio da dor em problemas articulares, dor e evolução no câncer, alívio de distúrbios neurológicos como epilepsia e convulsões, em evidente omissão regulatória que já se arrasta a quase dois anos, restando somente a via judicial para alcançar a segurança jurídica do exercício profissional da Medicina Veterinária em benefício da saúde animal para suprir essa omissão regulatória.

Apesar de ser a ação gratuita, nos termos do art. 5º, LXXIII, da CRFB/1988, atribuiu-se a causa, para os fins legais, o valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) com base na soma das variáveis tangíveis (economicamente mensuráveis, quanto a impossibilidade de prescrição com segurança jurídica aos 170.000 médicos-veterinários do Brasil e registro de produtos de uso veterinário no MAPA), multiplicado pela soma dos pesos às variáveis intangíveis. Danos em que não há como estabelecer ou associar um valor econômico – pois evidenciado o dano aos animais que deixaram de receber a substância medicinal que possibilitaria restabelecer a saúde e o bem-estar.

Colaboraram na ação, com artigos científicos e relatos de casos que embasam os benefícios da substância para os animais, os médicos-veterinários: Katia Ferraro, Erik Amazonas, Caroline Campagnonee Tarcísio Barreto.

Acesse aqui a Petição da Ação Popular

E o Protocolo da ação na Justiça do DF