Por Thais Morais da Silva * | Mãe Cannábica @skull.mommyy
Um pensamento comum aos pacientes canábicos é de praticar o autocultivo. Para muitas pessoas, fazer seu próprio remédio é uma forma de garantir um tratamento mais barato. Como cultivadora e ativista, além das dúvidas sobre cultivo, a pergunta mais comum que recebo é:
“como funcionar um HC para cultivo de Cannabis?”
Primeiramente, precisamos entender o que diz a atual lei de drogas:
A Lei nº 11.343/06 veda o cultivo de vegetais dos quais possam ser produzidas drogas, ressalvada a possibilidade de autorização estatal:
“Artigo 2º — Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.”
Porém, de acordo com seu parágrafo único:
“Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.”
É importante reforçar que o autocultivo para fins medicinas e científicos NÃO É PERMITIDO no Brasil. A lei admite que a União autorize o cultivo para fins científicos e medicinais, mas isso jamais aconteceu desde 1938, ano da primeira Lei de Drogas do Brasil (Decreto-Lei n.º 891, de 25 de novembro de 1938).
Por outro lado, o cultivo para uso adulto ainda é, terminantemente, proibido.
Atualmente existem alguns Projetos de Leis (PLs) em discussão no Congresso Nacional, sendo o PL 399/2015, aquele com maior evolução até o momento.
Sendo assim, para que o paciente tenha direito a seu autocultivo é necessário recorrer ao Poder Judiciário para obter um “salvo conduto” através de um Habeas Corpus preventivo (HC).
O HC é uma ação constitucional com o objetivo de garantir o direito à liberdade, quando essa é ameaçada ou restringida por uma ilegalidade. O Habeas Corpus preventivo pode garantir o direito do paciente ao cultivo, sem riscos a sua liberdade.
Qualquer cidadão pode impetrar um HC, porém o mais indicado é procurar um bom advogado que vai garantir a melhor defesa dentro da lei.
Agora, entendendo o que é um HC, vem a pergunta:
“Quais são os documentos básicos necessários?”
1. Receita médica para o tratamento à base de Cannabis;
2. Laudo Médico, mostrando a importância do tratamento canábico para a saúde do paciente;
3. Pedido de Autorização da Anvisa, para importação direta pelo paciente que é feito via Internet. Basta preencher corretamente dos campos e anexar os documentos exigidos (https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-autorizacao-para-importacao-excepcional-de-produtos-a-base-de-canabidiol);
4. É importante também demonstrar valores financeiros, demonstrar o custo do medicamento para o juiz entender que é financeiramente difícil para você manter seu tratamento com produtos importados e/ou de associações;
5. Cursos de cultivo e certificados que demonstrem a capacidade do paciente produzir os produtos;
Esse último tópico é de extrema importância pois não adianta apenas precisar do remédio, é positivo demonstrar que sabe produzi-lo.
Existem diversos cursos no mercado, alguns gratuitos como o da UNIFESP e diversos outros com preços populares. Certificados de cultivo são fundamentais para o HC. Carteirinhas de associação em institutos voltados ao estudo da Cannabis também são interessantes.
A Cannabis é uma planta complexa, os cursos não são apenas para o HC: saber cultivar e extrair é o que vai garantir você ter seu remédio da maneira correta.
“Em quanto tempo tenho meu Habeas Corpus?”
Varia de caso a caso.
Você vai precisar juntar documentos, porque o advogado precisa de tempo para analisar a complexidade do caso e fazer a preparação do processo. Depois que é dado a entrada no processo, o mais comum é que seja decidido em questão de dias.
“E se for negado?”
Os advogados especializados divergem quanto a este tema. Se for indeferido (negado), seu HC vai para a segunda instância (novo julgamento com, pelo menos, 3 juízes) e o advogado competente deve lutar até a última instância para garantir seu direito.
No julgamento do HC, o juiz pode determinar a quantidade de plantas que você pode cultivar, limitando a uma quantidade x por ano. E durante o tempo que seu HC valer, apenas o juiz competente pode determinar a inspeção das condições do cultivo.
“Mas e o custo?”
A Defensoria Pública é uma via gratuita, mas a procura é enorme e a espera é grande.
Advogados particulares cobram honorários, obedecendo valores mínimos estabelecidos na Tabela de Honorários da OAB de cada Estado **. No Estado de São Paulo, o valor mínimo para “Impetração de ação autônoma de habeas corpus preventivo ou liberatório” é de R$ 13.730,32 .
Muitas vezes, contratar um advogado experiente envolve custos.
E custos são sempre negociáveis. Por outro lado, sua liberdade é um valor. E valores são inegociáveis. Cada advogado irá cobrar um valor. É importante procurar um profissional que já tenha entendimento sobre o assunto. A principal sugestão que posso fazer é a seguinte:
Consulte um advogado experiente e pergunte se ele já teve sucesso em algum caso semelhante ao seu.
Confia na Mãe!
* Thais é uma cultivadora de Cannabis, sob proteção de um habeas corpus, e produz o remédio de seu filho adolescente (TEA). É educadora canábica e ativista pelos direitos dos portadores de TEA.
** Tabela de Serviços e Honorários dos Advogados no Brasil – https://www.oabsp.org.br/servicos/tabelas/tabela-de-honorarios