Por Green Science Times | 07 de dezembro de 2020
No último 2 de dezembro, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, durante uma votação histórica em Viena (Áustria), as propriedades medicinais da Cannabis. No total, 53 países membros votaram, sendo 27 votos a favor, 25 contra e uma abstenção.
A reclassificação indica que será possível estudar melhor e gerar observações sobre a planta e suas propriedades químicas ao uso terapêutico. A resina da cannabis, também, sai da lista IV da Convenção sobre Drogas de 1961 – o que significa que a utilidade médica desta planta é oficialmente reconhecida. O uso recreativo/adulto continua a ser proibido em regulamentos internacionais.
Os Estados que compõem a Comissão de Entorpecentes – órgão executivo das Nações Unidas para as políticas de drogas – decidiram nessa convenção que a cannabis será classificada nas listas I e IV. Essa mudança vai facilitar a pesquisa com a cannabis, que apresenta resultados promissores no uso de seus princípios ativos para tratamentos de Parkinson, esclerose, epilepsia, Alzheimer, dores crônicas e câncer. A Convenção Única sobre Entorpecentes ou Convenção Única sobre Estupefacientes é um tratado internacional das Nações Unidas e tem como objetivo combater o abuso de drogas por meio de ações internacionais coordenadas.
SAIBA MAIS: Dia histórico: ONU reconhece oficialmente as propriedades medicinais da cannabis após 60 anos
O que pensam autoridades em Cannabis Medicinal?
Com o objetivo de compreender o que essa mudança de posicionamento das Nações Unidas – com recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a retirada da cannabis como narcótico para droga não perigosa – o site Green Science Times ouviu sobre o assunto médicos, pesquisadores, líderes e profissionais que atuam no mercado de Cannabis Medicinal no Brasil e nas Américas. Acompanhe as opiniões:
DRA. PAULA DALL’STELLA, Médica pós-graduada em neuro-oncologia e pioneira na prescrição de Cannabis Medicinal no Brasil
Inteligente e bastante simbólico. Muitos países utilizam essas convenções globais para guiarem seus regulatórios e, uma vez que a ONU reconhece os valores medicinais da cannabis e do CBD, isso pode incentivar a mudança política interna dos países sobre drogas. Vale lembrar que não existe explicação cientifica alguma para a proibição da Cannabis para uso medicinal. […] Na minha opinião, no longo prazo isso será a trajetória natural dos órgãos regulatórios. Quem se atrasar muito, vai perder um espaço importante não só na saúde, mas na economia também.”
RAUL THAME, Professor de Educação Física e Conselheiro da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC). Ativista da cannabis, é filho de Gizele Thame, a biomédica que (felizmente) reduziu um tumor cerebral com doses do óleo à base de cannabis
Foi vergonhoso e lamentável o posicionamento do Brasil, sendo contrário a todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde. O reconhecimento do uso terapêutico da cannabis abre espaço para facilitar o acesso aos pacientes. Os médicos vão ter maior confiança em prescrever e será possível a realização de pesquisas científicas.”
DR. WELLINGTON BRIQUES, MD, MBA e Global Medical Affairs da Canopy Growth
Com certeza, teremos a promoção de mais pesquisas globais sobre o potencial terapêutico e os efeitos desta nova classe terapêutica na saúde pública, e o aumento da atração de pesquisadores adicionais para o campo. Mas é preciso deixar muito claro que isto não significa que os países membros estão autorizados a legalizar o uso indiscriminado da cannabis. A linguagem parece tentar deixar espaço para os países continuarem aplicando políticas mais restritivas sobre a cannabis, independentemente das regras internacionais.”
ANA GABRIELA BAPTISTA, Fisioterapeuta especializada em Reabilitação/Qualidade de Vida e Consultora Técnica/Científica em Terapia Canabinoide
Fico animada com a reclassificação da Comissão de Narcóticos da ONU, mesmo sabendo que essa decisão não interfere no poder dos países em estabelecerem suas próprias regras e leis sobre a substância. Porém, muda a forma de posicionar a cannabis, agora, na mesma classificação que a morfina. Acredito que em longo prazo colabore, sim, com pesquisas e o desenvolvimento da cannabis na área da saúde, trazendo futuros benefícios aos pacientes.”
O fato histórico para a cannabis
Foi com o apoio do governo dos Estados Unidos que a Comissão de Entorpecentes (CND) da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a proposta da OMS (Organização Mundial da Saúde), para excluir a planta cannabis do Anexo IV da Convenção Única de 1961, que trata de entorpecentes perigosos e sem uso medicinal.
Foi uma espera de 59 nos anos, quase seis décadas, para que os países integrantes finalmente tomassem a decisão de reconhecer o potencial terapêutico da cannabis – amplamente estudado em metade do planeta.
DIRK HEITEPRIEM, Vice-Presidente da empresa canadense de cannabis Canopy Growth, em entrevista ao The New York Times
A votação foi um ‘grande passo em frente’, reconhecendo o impacto positivo da cannabis nos pacientes. […] Esperamos que isso capacite mais países a criarem estruturas que permitam aos pacientes necessitados terem acesso ao tratamento.”
GABRIEL BARBOSA, Biotecnologista, Supervisor de P&D e Assuntos Regulatórios na HempMeds Brasil
O reconhecimento da ONU é importante e histórico, mesmo que tardio e incompleto. Mesmo com o Brasil votando contra a recomendação, o país já reconhece, na prática, os benefícios medicinais da Cannabis, com dispositivos que regulamentam seu uso medicinal há pelo menos cinco anos. O Brasil também é um dos países que mais publica conteúdo científico sobre o tema. Então, o reconhecimento da ONU é um passo importante em nível mundial e o voto brasileiro não anula o cenário já avançado que temos no país. […] Mais de 50 países já possuíam algum tipo de regulamentação nesse sentido, e outras recomendações importantes não foram aprovadas, fazendo com que o controle das mais variadas substâncias derivadas da Cannabis ainda apresente inconsistências. A luta segue!”
ROBERTO ARAÚJO, Jornalista e autor do livro “Cannabis Medicinal no Combate à Dor Crônica”, pela editora Europa
Agora, com o aval da ONU, pesquisadores e pacientes têm ainda mais certeza de que estão no caminho certo [ao retirar a cannabis De um controle pesado]. Para nós brasileiros é, também, um forte argumento para tentar sensibilizar a ANVISA [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] a abrandar as retrógradas restrições que impõe à pesquisa e ao uso da Cannabis medicinal. Como o Brasil votou contra a resolução da ONU, a única solução é continuar a pressão social, política e científica por regras mais razoáveis e humanas.”
ALEXANDRE BIASI FRANCHI, Diretor da Medical Hemp Brasil e Advisor especializado no mercado da Cannabis
Demoraram 60 anos, mas esse grande momento chegou, e é um grande passo para a regulamentação mundial da cannabis. Com o peso do posicionamento histórico dos Estados Unidos votando a favor do rebaixamento e um momento oportuno, onde até a OMS [Organização Mundial da Saúde] recomendou que fosse feito esta reclassificação, pois reconheceram que há provas científicas que a Cannabis pode salvar vidas. Espero que de agora em diante, as pessoas que lutam pela regulamentação da Cannabis sejam respeitadas e que a nova era da ciência e pesquisa para o desenvolvimento de um mundo mais verde se complete.”
EUA: mudança de posição do país que iniciou a proibição?
A posição dos Estados Unidos é afirmar que “embora um medicamento derivado da cannabis seguro e eficaz tenha sido desenvolvido, a própria cannabis continua a representam riscos significativos para a saúde pública e devem continuar a ser controlados pelas convenções internacionais de controle de drogas”, como divulgado na nota da delegação daquele país.
Embora a recomendação da OMS sobre o CBD simplesmente ofereça esclarecimento de que os produtos de canabidiol que não contêm mais do que 0,2 por cento de THC não são uma substância controlada, de acordo com os tratados internacionais, os EUA e a grande maioria dos outros países ainda votaram contra a medida.
BIA EDWARDS, Ganja Housewife, Ativista Cannábica, Educadora e empreendedora. Trabalha em um dispensário na Califórnia, nos Estados Unidos
Quando a Cannabis foi classificada pelo DEA – Drug Enforcement Administration [dos Estados Unidos], no nível 4, a planta era considerada uma substância com baixo potencial para o uso abusivo, podendo ser prescrita como remédio (uso medicinal) ao lado de Alprazolam (Xanax), Diazepam (Valium) e Triazolam (Halcion). Agora, com a Cannabis classificada no nível 1, a substância ficaria desclassificada como uso medicinal, como também teria um alto potencial para o uso abusivo, ao lado da Heroína, LSD e Ecstasy. Será que sou só eu ou mais alguém esta vendo isso? Então, fica aqui minha questão: esta luta é contra as drogas ou contra a população?”
SILVIO SCOL, Técnico em Reprodução e Processamento de Cannabis em uma startup israelense
E mais um passo muito importante para a descriminalização da cannabis em todo o mundo. Dada a importância da ONU e influência global incentivando os países a abrirem as portas para a cannabis. E mostra o reconhecimento das Nações Unidas sobre a importância dos princípios ativos da cannabis para o bem da humanidade.”
GUSTAVO MAIA, Historiador e Pesquisador que cataloga no Cannabis Monitor milhares de notícias sobre cannabis, produzidas a partir da visão da imprensa e públicos afins da planta no Brasil. É Editor do podcast Maconhômetro
Acredito que a chancela da ONU promoverá um crescimento substancial da procura por formação no tema por parte de profissionais da medicina e da área da saúde em geral, assim como da procura por medicamentos e produtos por parte de pacientes. Um movimento que já é crescente aqui no Brasil e tende a acelerar com essa decisão. Maior demanda e interesse fortalece o fato social, que por sua vez amplia e promove o ecossistema da cannabis, gerando maior pressão para mudanças no paradigma proibicionista.”
DR. ANDRÉ FREITAS CAVALLINI, Otorrininolaringologista e Médico especialista que atende pela Dr. Cannabis, uma plataforma facilitadora de acesso entre pacientes e médicos
É uma vitória, mesmo que essa decisão não retire a necessidade de os países estabelecerem controles contra a proliferação da substância e nem tem o poder de alterar a política adotada por cada nação. […] Facilita o acesso dos pacientes a medicação [com cannabis], corroborando para maior acesso a informações e permitindo uma maior produção de artigos científicos, em escala, com fidedignidade mais apurada nos ensaios clínicos. Aumentará a demanda da pesquisa e da produção de óleo, facilitará a rotatividade da economia, podendo mostrar que há muito em se lucrar com impostos relacionados a cannabis, e que poderiam ser convertidos em saúde, educação e segurança.”
ALFREDO DOLCE, Relações Internacionais e Cultivador de Cannabis, é sócio-fundador de um Clube Cannábico no Uruguai. Dinamizador de negócios da Cannabis, também é Consultor Técnico referência na América Latina
O recente reconhecimento da cannabis pelas Nações Unidas reafirma o que foi demonstrado por estudos sérios, realizados durante anos. É um grande passo para a medicina mundial. Ele abre caminhos […] que levarão ao fim de muitas restrições financeiras globais. Quanto aos que se relacionam com a cannabis (pesquisadores, pacientes, médicos) é uma mudança fundamental, que permitirá progresso para que cada enfermidade finalmente obtenha um tratamento adequado e possa ser prescrito com total convicção de qual óleo é adequado para cada enfermidade. […] Fundamentalmente, as famílias com crianças que sofrem de Epilepsia Refratária finalmente poderão ter acesso a tratamentos que acabam com essa doença que tanto faz sofrer milhões de famílias em todo o mundo.”
Visão do Planalto: a posição oficial do Governo Federal frustra o setor
De acordo com notícia publicada no portal do Governo Federal, o ministro da Cidadania afirma que o Brasil votou contra recomendação da OMS para retirar a cannabis da lista das substâncias psicotrópicas consideradas mais perigosas.
Acompanhe a visão oficial do governo Bolsonaro sobre a cannabis, após a decisão histórica das Nações Unidas em reconhece oficialmente as propriedades medicinais da cannabis, após 60 anos de restrições severas:
O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, explicou, nesta quarta-feira (2), que o Governo Federal foi contrário à recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para retirar a cannabis da lista das substâncias psicotrópicas consideradas mais perigosas por avaliar que a proposta flexibiliza e reduz o controle sobre a substância.
O Brasil votou contra as recomendações da OMS relacionadas à cannabis, nome científico da maconha, na 63° sessão da Comissão de Narcóticos da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida nesta quarta-feira, em Viena, na Áustria. Na votação, a maioria dos países, no entanto, decidiu pela exclusão da cannabis da lista.
ONYX LORENZONI, Ministro da Cidadania é médico veterinário. Está no quinto mandato como deputado federal. Entre as suas prioridades estão emas como a redução de impostos, direito à legítima defesa, segurança pública, defesa da propriedade privada, agricultura, educação e combate à corrupção
O Brasil reafirmou nessa reunião do comitê de entorpecentes da ONU que a posição brasileira é coerente com a maioria dos países do mundo no sentido de não fazer nenhuma flexibilização para a plantação ou o uso da maconha fora da utilização do cannabidiol, fora dos componentes médicos e doenças onde há flexibilidade para o uso desse produto e há uma ação efetiva desse produto. […] Qualquer afrouxamento no controle desse tipo de substância, ele vai, obviamente, piorar o quadro de uso recreativo desse tipo de produto e que terá consequências devastadoras para toda a sociedade brasileira. […] O Brasil já autorizou para que se possa adquirir esse produto, possa ser processado e elaborado nas diversas apresentações aqui dentro do território brasileiro e possa ser disponibilizado para aqueles pacientes que, eventualmente, possam se beneficiar.”
Visão geral é otimista: quais serão os próximos passos do Governo Federal para o diálogo?
Apesar do voto contrário do Brasil na ONU, o cenário é visto com otimismo a possibilidade de estudos sobre a planta cannabis e suas moléculas comprovadamente benéficas a redução de sintomas em enfermidades diversas – já se sabem mais de 250 tipos de problemas que podem ter seus sintomas amenizados – e dependem do medicamentos seguros, acessíveis e a preço de custo. Mas não se faz milagres sem o apoio do governo vigente, em benefício da vida de milhões de brasileiras e brasileiros que poderiam se beneficias das terapias canábicas, em diversos níveis de segurança clínica.
Entrevistadas e entrevistados pelo Green Science Times acreditam que esta exclusão tem um impacto simbólico positivo e muito importante, porque reconhece formalmente o valor terapêutico dos derivados da cannabis pelo escalão internacional mais elevado no universo das ciências. Beneficiará, inclusive, os mercados da cannabis.
Fonte: Green Science Times