Por Juliana Bastos, Doutora em Farmacologia e Medical Science Liaison no Green Science Times | 15 de agosto de 2021
O uso medicinal da Cannabis está expandindo no Brasil, e com isso o número de empresas do setor também têm aumentado por aqui. Embora existam limitações na legislação atual, alguns produtos de Cannabis já obtiveram autorização sanitária para serem comercializados em farmácias e drogarias brasileiras. Além disso, a importação de produtos para uso pessoal já é permitida desde 2015.
Nos dois casos é necessário apresentar receita médica, o que ainda é difícil para alguns pacientes. Embora não existam entraves legais, alguns médicos são relutantes em prescrever produtos de Cannabis, seja pelo preconceito com a planta ou por desconhecimento dos estudos na área.
Nesse contexto, a Medical Science Liaison (ou MSL) pode contribuir para educar a comunidade médica e ampliar o número de médicos prescritores. A principal atribuição desse perfil profissional é construir o relacionamento da empresa com os médicos líderes de opinião (conhecidos também pela sigla KOL, do inglês key opinion leaders), levando informações científicas, sem intenção promocional. A MSL também é responsável por traduzir e transmitir informações técnico-científicas, em linguagem acessível para outras áreas da empresa, como marketing, força de vendas e regulatórios.
Inserida na área de Medical Affairs, a MSL é o profissional que vai a campo e traz para a empresa insights relacionados ao desenvolvimento de produtos e de acesso ao mercado. É capaz de avaliar e gerar dados a partir de suas interações por promoverem discussões mais profundas que os representantes comerciais. Para isso, ela precisa ter sólida e avançada formação acadêmica na área da saúde.
Pensando no setor de empresas de Cannabis, a MSL pode expandir sua atuação para além da interação com a comunidade médica. Sabemos que esse tema ainda é pouco abordado em cursos de graduação e a formação de outros profissionais da área da saúde se faz necessária. Portanto, além de se manter atualizado sobre o que vem sendo publicado, em alguns casos a MSL precisa também comunicar o básico sobre o assunto. Por isso é importante se certificar que o profissional contratado tenha conhecimento e experiência para interpretar adequadamente a literatura relacionada ao tema.
O número de publicações sobre Canabinóides vem aumentando a cada ano. Entretanto, ainda temos poucos resultados de ensaios clínicos randomizados disponíveis. Por isso, muito do conhecimento que dispomos é baseado em estudos pré-clínicos, cujo foco muitas vezes é compreender o Sistema Endocanabinóide (SEC). De fato, é preciso entender como se dá a participação do SEC em situações fisiológicas ou na presença de doença, para entender como os fitocanabinóides vão atuar em uma determinada condição. A MSL deve ser capaz de fazer a análise crítica e imparcial de artigos científicos, reconhecendo sua aplicabilidade e limitações. Por isso é importante também que tenha em mente o nível de evidência científica que cada trabalho traz para o ecossistema.
Por fim, esse perfil profissional também será útil para as organizações que estejam interessadas em conduzir estudos clínicos para registro definitivo de seus produtos. A MSL pode auxiliar na seleção de centros de pesquisa e nas discussões sobre as características do estudo e planejamento do protocolo. Além disso, ela pode ser o interlocutora entre o centro de pesquisa e a empresa patrocinadora do estudo.
Embora não tenha contato direto com pacientes, as atividades da MSL têm o objetivo de garantir o uso apropriado do produto pelo consumidor final. Somente com a prescrição adequada e orientações de uso corretas, os pacientes poderão se beneficiar do tratamento.
Quais mercados/áreas/setores podem se beneficiar dos serviços da ML?
A profissional MSL atua principalmente como representante científico da empresa no campo. Seu relacionamento é construído com stakeholders internos e externos, sendo o profissional de referência de uma área terapêutica ou produto. É capaz de avaliar e gerar dados a partir de suas interações, capturando insights relacionados ao desenvolvimento de produtos e de acesso ao mercado.
No setor farmoquímico, como Medical Affairs podem aproveitar seus conhecimentos?
A MSL integra a equipe de Medical Affairs, dando suporte a área com conceitos científicos inovadores e avançados. A área de Medical Affairs é um dos pilares da indústria farmacêutica, ao lado das áreas de PD&I e Comercial/Acesso ao Mercado. Diante da complexidade dos medicamentos no mercado farmacêutico é uma posição estratégica dentro da empresa. Nesse sentido, o papel da MSL é crítico porque confere discussões mais profundas do que os representantes de vendas.
Na formação de produtos para saúde, em quais fases entram a Medical Science Liaison?
A profissional MSL pode atuar em todas as fases do produto. Na fase de desenvolvimento, ela pode discutir com os stakeholders sobre as moléculas mais promissoras, que poderão se tornar um medicamento no futuro. Durante o pré-lançamento, a MSL pode levar conhecimento científico sobre o produto que será lançado, antes da equipe de vendas. Após o registro do produto, a profissional irá atuar no lançamento e pós-lançamento, fornecendo informações técnicas, evidências científicas, respondendo dúvidas de médicos e prescritores e fomentando projetos de pesquisa.
Na área médica, em quais fases entram os serviços e conhecimentos da Medical Science Liaison?
A MSL é quem leva para a comunidade médica as novidades que estão sendo desenvolvidas na indústria. O foco da interação entre MSL e os líderes de opinião (KOL) é sempre de cunho científico e não comercial. A MSL informa sobre os estudos clínicos em andamento e moléculas novas, que ainda não foram lançadas. Após o lançamento dos produtos, a profissional fornece as evidências clínicas encontradas e orientações sobre o uso correto dos medicamentos.
Onde entra o trabalho da Medical Science Liaison no produto final?
Pode atuar na fase de pós-lançamento de um produto, esclarecendo dúvidas técnicas e promovendo educação médica continuada. Por ter contato direto com a comunidade médica, também é capaz de levar a percepção de mercado para dentro da empresa. Portanto, a MSL conhece as restrições e oportunidades de crescimento do produto com que trabalha.
(Colaboraram com a edição: Marcelo Prado pelo Green Science Times; e a Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN)