Do Conselho Técnico-Científico da ABICANN
Desde a publicação da restrição do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre prescrição da cannabis, por meio da Resolução CFM nº 2.324/22, publicada no Diário Oficial da União em 14 de outubro, grupos de pacientes, médicos e organizações que orientam estudantes têm buscado na Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN) uma posição sobre este assunto. A resolutiva suscita mais perguntas do que respostas, no momento, e pedimos luz aos fatos, indicados abaixo.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, alterado pelo Decreto nº 10.911, de 22 de dezembro de 2021, Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013 e Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015.
Preparamos um relatório com questionamentos e orientações técnicas de especialistas em cannabis medicinal, a fim de esclarecer muitas dúvidas, baseadas na informação do CFM que temos até a data de hoje. Este texto não tem a finalidade de fazer uma revisão bibliográfica sobre cannabis medicinal e todos os seus benefícios, muito bem conhecidos por milhares de pacientes que já fazem uso destes medicamentos.
No entendimento de especialistas em diversas áreas da medicina clínica, pesquisa e ensino técnico, a restrição mencionada versa sobre a prescrição e o ensino da cannabis. Esta resolução limita de forma extrema as prescrições dos medicamentos desta nova classe terapêutica aos médicos no Brasil, proibindo que estas sejam feitas para indicações, a não ser as mencionadas na resolução, as quais abrangem apenas ao uso do CBD (canabidiol) para as epilepsias refratárias, às terapias convencionais, para síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no complexo de esclerose tuberosa.
Em documentos, enviaremos uma série de questionamentos sobre como esta Resolução CFM nº 2.324/22, aprovada na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina e outros detalhes. São indicações das questões e problema relevantes para os públicos de suporte do CFM, para o esclarecimento das dúvidas que deram origem a este parecer orientativo.
Com base nas análises técnicas dos Grupos de Trabalhos da ABICANN, formado por lideranças médicas, científicas e sociais, este texto da Resolução CFM nº 2.324/22 claramente não levou em consideração as opiniões e sugestões da classe médica, que tem o conhecimento científico e trata pacientes com muito sucesso na utilização destes medicamentos à base de canabinoides.
A ABICANN solicitou opiniões qualificadas de diversos profissionais técnicos e tem recebido apoios de dezenas de organizações, ligadas às áreas da saúde, ciências, mercados e sociedade. E, de forma unânime, em nosso entendimento fica registrado neste documento que a resolução atualizada fere o Código de Ética Médica (1) e fere também a nossa Constituição Federal (2).
Ao observarmos juridicamente o Código de Ética Médica, no Capítulo I, 2º item, em Princípios Fundamentais, é claro que proclama: – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
O Conselho Federal de Medicina, portanto, estaria ignorando completamente os benefícios de canabinoides, comprovados por evidências cientificas fortes, reconhecidas por diversas entidades de alta relevância, sérias. Entre elas está a Academia Americana de Ciências, Medina e Engenharia, a publicação Health Canada e mais de 11.700 artigos publicados, em bases médico-científicas sobre as evidências da cannabis medicinal em várias patologias. E muitas, não estão listadas nesta resolução, impedindo, assim, de trazer este benefício no cuidado da saúde do ser humano, conforme mencionado no Código de Ética Médica do próprio Conselho Federal de Medicina.
Por situação, de certo constrangedora para a classe médica e científica, em documento publicado no Diário Oficial (DOU), em 14 de outubro de 2022, o Conselho Federal de Medicina não reconhece nem a nomenclatura correta da molécula THC, a qual é denominada erroneamente pelo grupo como “Delta nove tetra hidrocanabidiol”, porém, o correto é Delta 9 tetra hidrocanabinol. Isto demonstra a falta de conhecimento básico sobre estes compostos, publicados oficialmente pelos autores da resolução 2324/2022.
É fato que o Conselho Federal de Medicina não levou em conta as necessidades de milhares de pessoas, que hoje se beneficiam destes medicamentos para tratamento de patologias diversas. E é fato, também, inconstitucional, pois fere o artigo 5º inciso XIII da Constituição Federal, onde proclama: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Assim, é fato ainda que o CFM viola claramente a liberdade profissional do médico no exercício pleno sua profissão, restringindo de forma arbitrária e com fundamentos ultrapassados, sua prescrição e a autonomia profissional. É fato que viola o princípio da liberdade do profissional médico em escolher o tratamento mais adequado junto com o paciente e seus familiares, em cada caso clínico.
E é fato que o CFM também ignora da Constituição Federal o artigo 5º do inciso XIV: é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional, limitando também arbitrariamente o ensinamento a ambientes científicos (a esclarecer) e, consequentemente, ferindo completamente o princípio de acesso à educação.
É muito importante lembrar que não é atribuição do CFM normatizar regras de prescrição médica, pois não tem competência para aprovar ou não medicamentos e muito menos suas indicações. Estas são competências exclusivas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e estão regulamentadas claramente, por meio de Resoluções do Conselho Administrativo do órgão (RDC).
E vale reforçar que, hoje, temos cerca de 20 medicamentos à base da canabinoides e que já tem aprovação da ANVISA, segundo regras muito bem estabelecidas, para serem distribuídos nas drogarias brasileiras. Bem como existe a regulamentação para a importação destes medicamentos, inclusive os que contém THC (tetrahidrocanabinol), para tratamentos adjuvantes em diversas indicações.
A atual resolução do CFM não se baseia em fatos ou evidências científicas atualizadas, pois ignoram mais de 11.500 publicações, disponíveis no portal PubMed (3) nos últimos 30 anos sobre cannabis medicinal, e com toda a experiência clínica acumulada no atendimento, discussões em congressos médicos específicos e de diversas especialidades independentes. Dor, sono, psiquiatria, autismo, pediatria, cardiologia, neurologia, acupuntura, ortopedia, nutrologia e outras esta classe terapêutica nova não pode ser tratada como experimental, como argumenta o CFM.
Sobre as referências mencionadas nesta resolução, foram utilizados somente artigos desatualizados, onde o mais novo data 2014. Sendo que as equipes técnicas da ABICANN e um consórcio médico-científico avaliam que a maioria dos artigos mencionados pela resolução do CFM sobre o uso de canabinoides à saúde humana mantêm vieses contrários ao uso medicinal da cannabis, levando em conta largamente o consumo não medicinal.
Neste caso, fica evidente aos profissionais, pacientes e organizações que esta atitude, em formato de resolução, quer eliminar, claramente, com o direito do médico de prescrever. E pior ainda: a atualização vêm para impedir o direito dos pacientes se tratarem com estes medicamentos novos. A consequência será, sem dúvidas, de um aumento na judicialização para que os tratamentos possam ser feitos, gerando acesso a milhares de pacientes no Brasil. Há indicativos de que os pacientes potenciais ultrapassem mais de 18 milhões de brasileiros.
Na Constituição Federal temos no Capítulo II da Seguridade Social, Sessão II Da Saúde, Art. 196, no qual o CFM utilizou como base para justificar o uso de medicamentos não aprovados para o tratamento de COVID-19, durante a pandemia: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O CFM alegou que estes medicamentos traziam a esperança ao paciente. E é exatamente o que acontece com a cannabis medicinal, sendo que nesta resolução o conselho entra em franca contradição ao negar a prescrição médica livre dos medicamentos à base de cannabis. Aparentemente, este órgão continua não fazendo a distinção importantíssima entre uso medicinal e o uso adulto (ou recreativo) dos derivados da planta.
Em visão ampla, há o entendimento das equipes técnicas da ABICANN e consorciadas que, até o momento, não existe abertura por parte do CFM para entender o conteúdo da literatura existente sobre outros canabinoides, além do CBD, que possuem propriedades medicinais, mesmo sendo psicoativos ou não.
Vale informar que antes mesmo da publicação da Resolução 2324/22 pelo Conselho Federal de Medicina, as equipes institucionais e técnicas da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis já estavam trabalhando para participar e contribuir com esta resolução, propondo ao conselho reuniões. No entanto, o CFM rejeitou os pedido de reuniões instrucionais (orientação ética e educação técnica), a pedido e por solicitações de grandes especialistas nacionais, com projeções pelo mundo, e organizações associadas e consorciadas com a ABICANN.
Precisamos lembrar, neste parecer médico, que Delta 9 tetra hidrocanabinol também tem propriedades medicinais importantes, como a analgesia e o relaxamento muscular em pacientes com esclerose múltipla avançada. Ou mesmo em pacientes com lesões cerebrais, devido a traumas ou acidentes vasculares. Outros canabinoides também agem no nosso Sistema Endocanabinoide (SEC), atuando na modulação de vários sistemas no organismo.
Isto não quer dizer que os canabinoides representam a panaceia, mas sim, que existem muitas possibilidades de explorarmos o potencial terapêutico destas moléculas. E entendemos que não será restringindo a prescrição e a educação médica, de forma autoritária e sem zelo técnico, que avançaremos com o conhecimento científico, e consequentemente atrasaremos a chegada dos benefícios para os pacientes brasileiros.
Concluindo a orientação instrutiva médica, a Constituição Federal é soberana e protege o paciente e os médicos; a RDC da Anvisa continua vigente e evoluindo em prol do acesso aos pacientes; a educação médica sobre o tema está ampliando os horizontes dos tratamentos, sempre baseado em evidências. E da mesma forma que já existiam restrições infundadas, por parte do Conselho Federal de Medicina seletivamente contra esta classe de medicamentos nova, os colegas que querem aprender sobre como utilizar de forma correta e detalhada, devem seguir seu caminho para beneficiar cada vez mais seus pacientes.
Os médicos prescritores devem seguir colhendo o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido na primeira consulta para todos os pacientes que receberão uma prescrição de cannabis medicinal, eleger os canabinoides, que melhor beneficiem cada paciente, titular corretamente a dose de acordo com a literatura disponível (4) e acompanhá-los de acordo com a necessidade e tempo de tratamento.
A posição do CFM demonstra-se retrógrada, necessitando de nova revisão. Este retrocesso trará, entre as muitas consequências, o aumento da judicialização e a rápida apropriação da prescrição de cannabis medicinal por outras classes, ligadas à saúde que não possuem o conhecimento básico sobre diagnóstico e tratamento. E não são treinadas adequadamente para prescreverem e acompanhar os pacientes no Brasil.
Em análises gerais, há unanimidade de que estes milhares de pacientes, que necessitam de cannabis medicinal para a saúde e qualidade de vida continuarão a buscar o acesso a estes medicamentos, quer seja com médicos preparados ou outras profissões com curiosidades clínicas e científicas. Por isso, pedimos que fiquem atentos aos movimentos de entidades sérias e capazes de orientar grupos de trabalhos e equipes técnicas do Conselho Federal de Medicina e dos CRMs, tal como a Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN) e o Grupo de Cannabis Medicinal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em conclusões aos pedidos iniciais, as equipes médico-científicas da ABICANN solicitam que o Conselho Federal de Medicina:
- a) abra canais de diálogos para reuniões do CFM com especialistas nacionais e internacionais em cannabis medicinal;
- b) Fomente e proporcione cursos para orientação ética e técnica de profissionais médicos, organizações e investidores em saúde; e
- c) Analise e recomende a formação de uma Comissão de Cannabis Medicinal, para discussão e orientação às atuais equipes do CFM, cujos os conhecimentos e habilidade profissionais para a compreensão desta nova classe terapêutica ainda são deficitários.
Em segunda hipótese, não havendo interesse da atual gestão do CFM em dialogar, ouvir, aprender e orientar, há fortes indicativos sobre ignorarem – por motivos ainda a esclarecer – que deve prevalecer o princípio da autonomia médica, orientados aos achados científicos de diversas publicações em revistas respeitadas, deixadas de fora desta regulação atualizada do conselho, em evidentes retrocessos.
A ABICANN mantém corpo técnico-científico, a fim de apoiar e orientar o CFM, CRMs e demais conselhos profissionais, os poderes, o meio empresarial e o meio social, sobre a cannabis medicinal, de forma a contribuir para maior entendimentos sobre o cenário local, regional e global, para gerar segurança aos médicos fazerem o que conhecem de melhor: cuidar da saúde dos pacientes, mesmo que para isso precisem litigar grupos sem compromisso com a sociedade.
Referências:
- Código de Ética Médica https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf
- Constituição Federal. – https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/constituicao1988/arquivos/ConstituicaoTextoAtualizado_EC%20125.pdf
- PubMed – pesquisa cannabis medicinal. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/?term=medical+cannabis&filter=years.1992-2022
- Bhaskar, A., Bell, A., Boivin, M., Briques, W., et al. Consensus recommendations on dosing and administration of medical cannabis to treat chronic pain: results of a modified Delphi process. J Cannabis Res 3, 22 (2021). https://doi.org/10.1186/s42238-021-00073-1; https://jcannabisresearch.biomedcentral.com/articles/10.1186/s42238-021-00073-1
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