Por Márcio Teixeira/Uruguai | 3 de fevereiro de 2022
Empresa uruguaia cultiva Cannabis para uso medicinal e é considerada de ‘interesse governamental’. Aproximar países para desenvolvimento científico para saúde dos brasileiros, com transferências tecnológicas. O que muda para a indústria da Cannabis em ambos os países?
O Estado de Florida, no Uruguai, e o Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR) assinaram um protocolo de intenções de cooperação, com o objetivo de desenvolver programas de intercâmbio, realizar transferência de tecnologias, trocar informações técnicas e experiências na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) com Cannabis, para fins medicinais. Entre os convidados estiveram executivos e líderes de empresas produtoras de Cannabis, para fins medicinais.
O evento aconteceu na manhã de 28 de janeiro, no Salão de Honra do Edifício Comunal Dr. Ursino Barreiro, e contou com a presença de Guillermo López, Prefeito de Florida, de Jorge Augusto Callado Afonso, Diretor-Presidente do TECPAR. O Secretário Geral do Município, Dr. Marcos Pérez, o Diretor de Tecnologia e Inovação do TECPAR, Carlos Gómez Pessoa, o Diretor de Desenvolvimento Sustentável, Eng. Enzo Viscailuz, o Diretor de Turismo, Ps.Carmen Pasarela, vice-presidente do Conselho Departamental da Florida, Andrea Peluso e outras autoridades governamentais.
Após a assinatura, a delegação visitante percorreu as instalações do grupo PUCMED, na Zona Franca de Florida. A empresa tem presença no Brasil pela unidade internacional de Curitiba (PR). No Uruguai, a empresa tem instalações seguras e controladas, para cultivar flores de Cannabis e fornecer seus derivados de biomassa vegetal para fins científicos.
O que essa união inicial pode significar para a indústria da Cannabis Medicinal, tanto para o Uruguai quanto para o Brasil?
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN), produtos de Cannabis Medicinal podem impactar tratamentos e pesquisas clínicas em dezenas de especialidades médicas. Para se ter uma comparação, mais de 18 milhões de brasileiros poderão se beneficiar de produtos de saúde, produzidos a partir das flores ou biomassa da planta Cannabis. Isso se contarmos apenas as 10 principais especialidades médicas, que mais receitam o medicamento controlado (tarja preta), já disponível em farmácias ou podem ser importados.
Atualmente, mais de 300 empresas fornecem medicamentos de Cannabis (produto à base de cannabis, de acordo com a classificação da ANVISA), para pacientes no Brasil, porém, os custos ainda são elevados. Em 2022, chegarão às prateleiras mais 10 marcas, a custos entre R$ 300 e R$ 2.300, dependendo da formulação, origem e acordos que cada empresas têm gerado, para baratear os produtos de Cannabis para saúde.
Em contrapartida, as associações de pacientes mais experientes cumprem seus papéis de interesse social, na maioria das vezes, dos pacientes associados a elas. O que é tendência deste ano para as associações é a profissionalização, começado a se aproximar cada vez mais das pequenas e médias indústrias que atuam no Brasil, e têm aberto diálogos diretos, compartilhando apoios e conhecimentos técnicos, para melhorias nas formulações e produção de óleo – ainda artesanal e bem mais barato, em muitos caos. No entanto, o desafio principal das associações é gerar um produto com alto grau de pureza, com procedência e condições de comprovar eficácia, de acordo com as regulações da ANVISA (RDC 327/19) no Brasil.
O Green Science Times foi conversar e entender com Dr. Alfonso Cardozo Ferretjans, CEO da PUCMED, com exclusividade, o que vem à frente nessa união de esforços entre um órgão do Governo do Uruguai, um organismo de inovação e tecnologia do Paraná e a empresa uruguaia, que promoveu esse elo técnico-científico. Leia a entrevista completa, abaixo. Acompanhe:
GST – O Chamamento público da TECPAR em 2020/2021 aproximou o Uruguai do Brasil, e a representação bilateral da PUCMED foi essencial para aberturas, diálogos e parcerias. Projetando futuro: faça uma análise geral sobre como empresas e profissionais podem participar desse convênio binacional?
Dr. Alfonso – No ano de 2021, a PUCMED participou de um chamamento público no Brasil, realizado pelo TECPAR, sendo escolhida para formar parte deste projeto de inovação para estudos da Cannabis, que tem muito a crescer.
Nesta ocasião, a empresa foi selecionada com a melhor nota em critérios relacionados com transferência de tecnologia e inovação entre os participantes. Por ter adquirido o conhecimento sobre questões delicadas para realização de cultivo e a geração de conhecimento técnico, estamos prontos para colaborar com esse desafio.
Digo isso, porque somos a primeira empresa a ser declarada de interesse departamental – o equivalente no Brasil a “empresa de interesse público”, nomeados pela Intendência de Florida, no Uruguai, com quem mantemos uma relação próxima e colaborativa, desde o início de nossa empresa produtora de Cannabis.
Pretendemos criar a primeira escola pública, direcionada a Cannabicultores, onde as aulas práticas serão realizadas nas estruturas de PUCMED, que estão à disposição do TECPAR.
GST – Qual é a origem da PUCMED? Onde estão seus cultivos e unidades? E quais são as perspectivas sobre investimentos da empresa, para 2022?
A Produtora Uruguaya de Cannabis Medicinal (PUCMED) é uma empresa fundada em 2019, para ser referência de qualidade na produção da planta, desde a semente até chegar em formato de produto para pacientes. A empresa tem presença no Brasil pela unidade internacional de Curitiba (PR).
Hoje, a PUCMED conta com a produção de Cannabis Industrial em duas localidades, no Uruguai, produzindo flores de Cannabis com alta concentração de CBD e baixa concentração de THC. Contamos com mais de 12 mil metros cobertos [cultivo indoor], dos quais 2.600 metros são com estufas climatizadas e com a produção em semihidroponia, e com cultivo orgânico, sendo usado somente produtos autorizados pela União Europeia.
Desde o início da empresa, vimos a necessidade de ampliarmos nossas estruturas, tendo a fiscalização, orientações e apoio constante da intendência de Florida, que concedeu áreas para a produção de Cannabis Medicinal. Trata-se de projeto de construção com mais de 20 mil metros, cobertos para produção de flores de alta qualidade, para uso medicinal.
Atualmente estamos finalizando uma estufa de mais de 2.500 metros, e a construção de um laboratório de 500 metros quadrados, dentro de uma Zona Franca, livre de impostos. O local está em transformação, para receber nosso novo cultivo, e será habilitado para a produção de Cannabis de uso terapêutico, com alta concentração de THC, para exportação.
Todo nosso processo passa por certificação de qualidade para medicamentos. Até o momento, foram investidos mais de U$D 2 milhões na planta e nas operações da PUCMED. Em 2022, estamos abrindo uma rodada de captação investimentos financeiros, ainda neste primeiro trimestre do ano.
GST – Em dezembro de 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) – a pedido da Organização Mundial da Saúde (OMS) – reconheceu as propriedades medicinais da Cannabis e mudou a Política de Drogas global, classificando a planta ao lado morfina. Após quase 60 anos, o Brasil foi contra, e Uruguai a favor. Estaria o Brasil se reconciliando com a Cannabis, para gerar benefícios às ciências, mercados, para chegar acessível aos pacientes?
Dr. Alfonso – O Brasil é um país continental e precisa ainda buscar aconselhamentos com governos experientes, cientistas avançados em P&D [Pesquisa e Desenvolvimento] e incentivar a atuação das empresas inovadoras. Neste caso, podemos dizer que o TECPAR, de uma maneira vanguardista está se posicionando. Esperamos que outras organizações se movimentem, durante o ano de 2022.
GST – Em uma visão ampla, quais seriam os benefícios para o Brasil, incentivando P&D de Cannabis para uso medicinal, em parceria com o governo de Florida, no Uruguai?
Dr. Alfonso – Primeiramente, é importante deixar claro que o TECPAR está na vanguarda da Cannabis Medicinal no País, e a PUCMED sente muito orgulho de fazer parte deste processo e gerar conexões. Estamos ao lado do país que foi o primeiro a autorizar todo tipo de uso para a planta Cannabis sativa.
Poderia numerar muitos pontos, pois estamos falando de quase 9 anos de estudos de uma planta, de maneira legal. Entre os principais benefícios, estão: adquirir conhecimentos sobre genéticas de plantas, variedades; realizar testes agronômicos; estudar concentrações de canabinoides, para usos médico e veterinário.
Com todo esse potencial e os benefícios já comprovados para saúde, sabemos que a legalidade passa uma enorme segurança. Estamos frente a um medicamento que não é somente a última alternativa, mas sim a única alternativa segura para alguns pacientes. O processo de transferência de tecnologia irá beneficiar o Brasil, para que logo este medicamento chegue ao paciente com valores dentro da realidade brasileira e que não seja um artigo de luxo.
GST – E para o Uruguai, o que tende a ganhar, incentivando P&D de Cannabis para uso medicinal, em parceria com a TECPAR?
Dr. Alfonso – Atualmente, o Uruguai conta com autorizações para cultivo de Cannabis, licenças para industrialização, encontramos o momento de unir os melhores protagonistas e que estão mais preparados para ingressar no Brasil, gerando para o Uruguai reconhecimento regional, aumento da produção e venda, geração de mão de obra, aumento de investimentos local em inovação e tecnologia.
Está na hora do Uruguai mostrar não só para o Paraná e Brasil, mas para o mundo, que é uma potência e tem conhecimentos profundos, quando o assunto for Cannabis Medicinal, cultivo industrial e normas bem reguladas, mesmo que ainda careça de muitas melhorias.
GST – Os Estados que compõem a Comissão de Entorpecentes, órgão executivo das Nações Unidas para as políticas de drogas, decidiram que a Cannabis fosse reclassificada, facilitando pesquisa. Segundo especialistas ouvidos pelo Green Science Times, na época, por apresentar resultados promissores no uso de seus princípios ativos, nos tratamentos de Parkinson, esclerose, epilepsia, Alzheimer, dores crônicas e câncer e outras patologias. Quais passos acredita que o Brasil deva seguir, para se atualizar e modernizar seu discurso nacional sobre os avanços científicos sobre Cannabis Medicinal?
Sem dúvidas, a decisão da reclassificação, em 2020, a Cannabis e sua resina, para substância menos perigosas, foi uma batalha ganha por todos os países que estão apoiando e olhando o futuro. Ainda há muito a se estudar sobre os canabinoides, terpenos e outras propriedades químicas desta planta fascinante para a humanidade, ciências e mercados.
O Brasil tem universidades e laboratórios públicos com profissionais brilhantes, que podem fazer do país referência na Cannabis Medicinal. Acredito que seja de extremo valor conquistar o apoio do país vizinho, tal como é o Uruguai, devido sua vasta experiência, posicionando no nível mais alto de informação e investigação. Sem contar que as empresas uruguaias, por exemplo, aproveitam a segurança jurídica oferecida para toda a cadeia produtora, industrializadora e exportadora da Cannabis.
GST – Com observa as tendências de medicamentos, tecnologias ou tipos de produtos à base de Cannabis, que devem ser observados pelos governos e mercado brasileiro?
Temos que saber dividir diferentes tipos de patologias e pacientes, hoje sabemos que a Cannabis conta com mais 140 moléculas com potencial terapêutico. Falamos de uma planta que a humanidade utiliza há mais 5.000 anos, e desde lá, indicam estudos, está na farmacopeia para uso na saúde.
Todos os tratamentos devem ser adequados ao paciente específico e em todos os casos deve ser acompanhado por um médico de referência. Em muitas ocasiões, a Cannabis é usada por pacientes, com fins terapêuticos, sem o acompanhamento médico ou sem uma indicação específica, em muitos casos por não ter acesso a um produto de qualidade. Quase sempre não sabe o que está consumindo.
GST – Sobre a PUCMED, no Paraná. De que o maneira a TECPAR e parceiros devem observar a empresa, que colaborou para o processo de aproximação entre dois Estados?
Dr. Alfonso – A PUCMED está autorizada a importar e registrar medicamentos, entre eles, medicamentos à base de Cannabis. No entanto, nosso objetivo maior é trabalhar em total harmonia e parceria com o TECPAR e com o governo do Estado do Paraná; e com outros parceiros, com a missão de democratizar o uso de medicamentos de Cannabis no País, realizar investimentos na área inovação, gerar transferência de tecnologia entre países.
O Brasil conta, nesse momento, com número limitado de medicamentos registrados e habilitados, tendo alto custo, impossibilitando o paciente de fazer o devido tratamento. E nosso papel na indústria é reverter esse cenário atual.
GST – Como enxerga o nascimento de organismos empresariais e sociais, tais como a ABICANN e a FACT, que reivindicam acesso, seja a produtos de cannabis para uso terapêutico, seja pelo olhar econômico-legislativo à industrialização de fibras, óleo, sementes e outros subprodutos da planta?
Pessoalmente eu acredito que organismos como a Associação Brasileira das Indústrias da Cannabis (ABICANN), a Federação das Associações de Cannabis Terapêutica (FACT) e outras entidades, prol Cannabis, para uso médico e terapêutico, sejam os pilares fundamentais ao desenvolvimento econômico, legislativo e social de qualquer ecossistema profissional, que atua e representa a Cannabis Medicinal.
Se no Brasil esses esforços forem realizados, com união e parcerias possíveis – como têm sido experienciado em diversos países – sem sombra de dúvidas pode acelerar o processo, para gerar acesso, bem-estar e qualidade de vida a milhões de famílias em todo País.
Em dezembro de 2021, recebemos uma comitiva com representantes empresariais da ABICANN e representantes sociais de diversas associações de pacientes do Brasil. Durante alguns dias, tivemos o prazer de receber e conversar com esses atores e atrizes e participantes do mundo da Cannabis no Brasil, e que visitaram nossas instalações no Uruguai.
Foi um encontro único, queremos ampliar esses encontros, em 2022. Agradecemos a ambas organizações por podermos apresentar nossos laboratório de pesquisa e trabalho de campo com plantas Cannabis. Brasil e Uruguai estão cada vez mais próximos, e já deixamos nossas portas abertas para o ecossistema profissional se aproximar. Seguimos compartilhando conhecimento e experiências, neste mundo incrível da Cannabis Medicinal.